"Santiago - Reflexões sobre o material bruto"

Sujeito atemporal, culto e belissimamente sensível. É assim que consigo definir o personagem desse documentário do diretor João Moreira Salles.

Santiago Badariotti Merlo foi mordomo da família Salles durante trinta anos. Nascido na Argentina, correu o mundo acumulando conhecimentos que fazia questão de eternizar em anotações que contavam com trinta mil páginas até o momento de sua morte. Conhecimentos que iam desde as mais nobres famílias e dinastias de todo o mundo até listas dos maiores atores e atrizes de Hollywood. Seus interesses iam da vida dos santos até lutas de boxe, e sua imaginação brincava de colorir a simplicidade de sua vida. O próprio Santiago afirmava que, apesar de morar só, não se sentia só, pois todos esses personagens de seus escritos lhe faziam companhia em seu quarto e era com quem conversava quando queria.

Moreira Salles começou a reunir o material para o documentário em 1992 mas não conseguiu finalizá-lo, fazendo isso 13 anos depois, em 2005 e concluindo o "embalsamento", como Santiago descreveu este processo, de uma das figuras mais interessantes que já conheci e deixando de presente para todos nós essa pérola de documentário que nos faz querer sonhar com o personagem, em meio a tantos outros personagens que também fizeram parte da película, embora emoldurados em folhas de papel datilografadas e envolvidas em um laço feito com uma fita vermelha.

Um documentário que, o tempo todo, nos deixa a impressão de estarmos realizando uma leitura naqueles seus oitenta minutos.

Gostoso como uma boa leitura e mágico como um sonho bom, assim é "Santiago".

"Enquanto viveu, ele se ocupou com seus nobres e suas castanholas. Foi salvo por coisas tão gratuitas quanto a dança no parque de que gostava tanto. Com elas, quem sabe, pode suportar a melancolia de quem suspeita que as coisas não fazem mesmo muito sentido."